sexta-feira, 27 de março de 2020

Pai 25 de Março 2020

Sobreira, 26 de Março de 2020
Ontem, completaram-se trinta e seis anos que partiste sem te poderes despedir de ninguém. Tantas vezes que a morte te bateu à porta e tu venceste sempre, batalha atrás de batalha. Naquela noite, 24 de março de 1984, incumbiste-me de acompanhar as minhas duas irmãs mais novas, Lídia e Rosalina, ao ensaio do Rancho Folclore da Casa do Povo da Sobreira, de que tanto amavas. A nossa mãe, como já muito sábia, devido ao acompanhamento da morte dos familiares, amigos e vizinhos, verificou que aquele sinal de não nos poder acompanhar, começou a preparar tudo. 
Assim que chegamos, do ensaio, por volta da meia hora do dia 25 de marco, a mãe mandou-me deitar as duas irmãs e para ir ajuda-la. Eu, com 20 anos, nunca tinha assistido a nenhuma morte, na minha ideia seria mais uma crise, como tantas outras. Outras crises de bronquite asmática crónica que te foi parando a máquina. Já tinhas estado tantas vezes e muito tempo internado, quer no Hospital do São João no porto, quer no Hospital de Valongo (antes não pertencia ao H. S. João). Só que aquela noite foi longa para ti...e muito marcante para mim. Nesse dia era domingo, só havia telefone na mercearia da Sra. Aninhas, mesmo do outro lado da rua, mas que se encontrava fechada, por ser domingo, mesmo que não fosse só abria às 09:00 horas, na Casa do povo que ficava um pouco mais acima, mas também abria à mesma hora. Isto, para avisar algum dos meus irmãos, que se encontravam longe, o Henrique em Duas Igrejas Paredes, o Aníbal em Ermesinde, o Manuel em Recarei, a Rosa na Capela Penafiel, o António no Pinhal Sobreira e a Leopoldina em São Martinho do Campo Valongo.  Logo que  a mãe viu a aurora no alto de Casconha Sobreira, pediu-me para eu ir a Casa do Capitão, era um amigo do meu irmão Henrique, que morava mesmo lá no alto, e tinha um rádio no carro que servia de contato, para lhe pedir que chama-se o meu irmão Henrique  que também tinha rádio de comunicação, no seu carro, só que quando chegou à Sobreira, parou no Café Bacano (agora fechado), para tomar café já depois do seu almoço, foi aí mesmo que soube que já tinhas partido, pela Lina do gás(figura tipica na Sobreira, tadita, muito pobre, tinha uma doença mental, gostava de beber e os homens gostavam de abusar dela). Quando chegou, já estavas vestido, foi o teu primo Albano que te vestiu, Os teus olhos estavam fechados e tu, já não estavas roxo, estavas sereno e eu abria-te os olhos para ver os ver, estavam lindos, mais Azuis que nunca.
 Fui num pé e vim no outro. As minhas irmãs ainda dormiam e tu continuavas a querer respirar e sem conseguir...Faltava pouco para as nove horas, deixei a mãe de novo sozinha contigo, fui à casa do Povo para telefonar para o Manuel e para  a tasca da Capela chamar a Rosa. Quem abria a Casa do Povo (café) era a Sra. Maria Olinda, boa Senhora, solteira e muito tua amiga e da mãe. Assim que lhe disse que estavas a morrer ela ficou em choque...Entretanto chegaram, o Manuel e a Rosa, já éramos três e a mãe.
A Rosa Maria, sobrinha da Sra. Aninhas, que morava com ela, mesmo em frente, levou as duas irmãs mais novas(Lídia e Rosalina) para casa da tia  e tratou delas.
Enfim chegou a derradeira hora, tu, que amavas a mãe, como nenhum homem amava a sua esposa nas redondezas, amavas os teus filhos, amavas a vida e adoravas os teus pouco netos, a Marlene, a Carla, o Rui, o Bruno, o Ricardo.
A mãe ausentou-se um pouco para rezar no quarto dos rapazes, assim que voltou, era o fim... eu não aguentei e comecei a chorar e a Rosa mandou-me sair. Fui para o quintal gritar tão alto, que veio a Sra. Maria do moleiro, que morava na casa anexa ao nosso quintal, "que foi, que foi", perguntou ela. Eu, disse meu pai morreu, ela, boa vizinha, aliás, não havia maus vizinhos na Devesa, "cruz!!!"... Quando dei conta, já tínhamos a casa cheia com todos os vizinhos, familiares  e amigos. O teu sofrimento tinha terminado. Estavas a dormir com os anjos, pois toda gente, mesmo das freguesias contiguas, gostavam de ti, devido ao teu trabalho, fazias os pagamentos, em Escudos, das reformas e das baixas médicas (hoje são por transferência bancária ou por correio). Não havia ninguém mais sério e justo que tu. Todos os teus filhos se orgulham dessa tua virtude, como de tantas outras.
Nessa época, também não havia floristas, no entanto, à tua volta, surgiram as mais belas flores!... foi a  senhora Amélia do Álvaro(Como lhe chamavam), da mesma rua.
As tuas irmãs, amavam-te e respeitavam-te muito, a Maria chamava-te irmão Alberto, fazia 56 anos no dia 27 (este ano faz 92 anos) e a sua filha Lídia (madrinha da nossa irmã Lídia), a irmã Rosa chamava-te padrinho Alberto, (não eras padrinho dela, talvez por ouvir a outra irmã chamar-te assim), ainda é viva, e a Maria Alberta, tua afilhada, fazia quarenta anos nesse dia(faleceu fez oito anos no dia de Natal passado, a sua filha Ernestina, que tem os mesmos padrinhos que eu,dei-lhe o pequeno almoço, ela comeu e caiu para o lado, grande choque...que Natal de 2011) iam cantar os Parabéns quando receberam a notícia, já não houve bolo para ninguém, pois rápido chegaram. Tanta coincidência.
Essa noite foi curta, tivemos a casa cheia, ninguém arredou pé de ti, de nós...A lareira da cozinha estava acesa, fazia-se café de cafeteira, na lareira, que os homens e algumas mulheres, acompanhavam com aguardente para aquecer, foi um garrafão de cinco litros, tu não bebias álcool mas gostavas de ter a casa cheia, porque a noite era fria, e a casa era à moda antiga, a lareira aquecia a parte da frente e a parte de trás ficava gelada.
No dia seguinte, era o funeral. A casa começou a encher,,,Chegou o senhor Padre César Augusto para as cerimónias de levantamento do corpo, da sala da tua casa, assim que o cortejo fúnebre começou a sair, todos nós ficamos perplexos, homem humilde como tu eras, havia tanta gente lá fora, nem por ser segunda feira, dia de trabalho, como nunca tinha havido nas redondezas.  
Tinha começado o sofrimento da mãe, que te amava tanto que se tentou matar, batia com a cabeça na parede de pedra, tinha que andar sempre em cima dela e fui eu que passei a dormir com ela. O meu sofrimento era tal, que chorei a tua partida durante dois anos, até fazer o meu luto. Talvez devido ao meu casamento, que se realizou quase dois anos depois, dia dois de março de 1986, já levava a Juliana com três meses connosco. Se fosses vivo, sei que era um orgulho para ti e me apoiavas em tudo, ficarias a amar mais uma netinha. Que pena eu tenho que não a tivesses conhecido! Não é por ser minha filha, tirando a sua teimosia, é honesta, justa, trabalhadora, amiga de ajudar sem estar à espera de receber, voluntária na Cruz Vermelha-Delegação da Sobreira, licenciou-se em Prótese Dentária, nunca precisou que lhe procurassem emprego, ela mesma procurava sempre o que entendia o melhor para ela (sempre na área dela)  e boa dona de casa. 
Já não bastava o sofrimento da mãe, que num domingo ao acordar, ela diz-me que tem um caroço na mama. Eu, liguei logo à Rosa, que trabalhava no Centro de Saúde, que me disse para a levar ao médico na segunda feira logo de manhã. Aí começou uma nova batalha da mãe, que durou dez anos. Hoje, a medicina está mais avançada, mas naquela altura a quimioterapia era terrível. Quando chegava o dia ela dizia: Deixai-me morrer mas não me leveis. Mal entrava na ambulância, começava logo com vómitos, no regresso pior era. andou nisto cerca de dez anos...
A segunda morte que acompanhei, eu, já casada e mais madura, já a consegui vestir em conjunto com a Rosa, a Rosalina morava com ela, só que não a quisemos acordar porque estava grávida do Mário. 
Eu, era muito chegada a ti, meu pai. Todos os domingos íamos visitar os familiares à Capela, Cabroelo, Aguiar de Sousa, Casconha e Santa Comba, eu na minha Flandria a pedais e tu na tua casal Boss. Bons momentos passamos...


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